Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


22/06/2010

Fantasia 2

Fantasia 1

Com Reis

Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
E sentir toda a brisa nos cabelos
Não quererei mais nada.
Que me pode o Destino conceder
Melhor que o lapso sensual da vida
Entre ignorâncias destas?


Ricardo Reis (1927)

Morte (pres) sentida

Morreu José Saramago e eu só consigo pensar no Tibúrcio, que está às portas da morte e não sabe ler nem escrever mas conhece os segredos das plantas e o cheiro da terra. O meu pensamento está contigo, Tibúrcio, no hospital de Vila Franca. Força, mesmo que seja para te deixares embalar pela hora final. Lembro-me tão bem das laranjas e das galinhas que me davas quando te ia visitar ao campo, quando ainda lá moravas. Lembro-me da tua revolta contra uns animais de nome esquisito que de vez em quando atacavam as galinhas e os coelhos. Colocavas armadilhas para os apanhares e cantavas vitória quando o conseguias. Força também, querida Menhã, que pressentes já a ida do teu companheiro de há mais de cinquenta anos, o teu "ombro amigo", como me disseste ao telefone. Apetece-me aninhar-te nos meus braços, como tu me embalaste nos teus quando eu era bebé. Foste a minha ama e tens mais coragem do que mil eus juntos. Verto lágrimas em vossa homenagem.

16/06/2010

Super-equipa! (DXCP)

Infância

Não macem os poetas

Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta
quando nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguarda comandando: Cacem o urso-polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência.
Repórteres de vespertinos, não tentem entrevistá-lo.
Não lhe, não me peçam opinião
que é impublicável qualquer que seja o fato do dia
e contraditória e louca antes de formulada.

Carlos Drummmond de Andrade. Antologia Poética