Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


24/02/2012

“Avó, não aprendi convosco tudo o que precisava de ser aprendido. Também vós tivestes dois Céus a dividir a vossa vida – um céu estrelado e um céu negro – mas, apesar de todas as aflições, conseguistes sempre passar para o lado mais brilhante. Mas, depois de tantos dias na obscuridade desta cela, como é que se foge do sofrimento e da morte? Dizei-me, avó, como?
(…)
O desejo ardente de ser abraçada por vós, como quando era pequena, assalta-me às vezes com tanta força que tenho de gemer. Em vez de chorar, esforço-me por imaginar o que me diríeis se os vossos lábios não estivessem selados. Não sei que palavras escolheríeis para me ajudar nestas circunstâncias, mas recordo-me também de me terdes falado de compaixão.
(…)
Mesmo que estejais morta, continuo a fruir da vossa presença nos meus sonhos. Por várias vezes, depois de adormecer, fui visitada pela vossa aparição. Vestida com uma longa camisa de linho branco e com os olhos brilhantes fixos em mim, ordenastes-me que preservasse a vida. Eu esforço-me, avó, e, por reconhecer como graças à compaixão recomeçastes a viver, deixando para trás as vossas amarguras, oiço-vos novamente. A vossa voz é límpida e forte e pouco importa que me chegue dos limbos da memória ou do outro mundo. O que importa é que não me sinto só nesta luta contra a solidão e contra o medo.”

Ana Cristina Silva. As Fogueiras da Inquisição


Régua fotografias


18662012


“Obrigado às orelhas do auditório atento, Calisto, em toada de Ezequiel, continuou:
- Portugal está alagado pela onda da corrupção, que subverteu a Roma imperial! Os costumes de nossos maiores são metidos a riso! As leis antigas, que eram o baluarte das antigas virtudes, dizem os sicofantas modernos que já não servem à humanidade, a qual, em consequência de ter mais sete séculos, se emancipou da tutela das leis. (…) Credite, posteri! – exclamou Calisto Elói com ênfase, nobilitando a postura.”

Camilo Castelo Branco. A Queda dum Anjo (1866)

“O Douro era o ventre materno que a aconchegava no colo quando sofria ou era feliz. D. Antónia sabia. Ninguém é feliz para sempre. A felicidade é uma pontuação, não é uma frase. E só a pode sentir no auge das emoções quem sofreu intensamente. A sua vida, a vida de todos os mortais, era feita desta transitoriedade onde o único valor absoluto é a morte.”

Francisco Moita Flores. A Fúria das Vinhas