Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


17/11/2012

Busquei num ermo Algânia feiticeira,
Que de abrasado feixe a par jazia;
Fui ver se atro conjuro me extorquia
Do laço antigo esta alma prisioneira.

Expus-lhe minha fé, minha cegueira,
Tracei meus males, e a rugosa estria
Cedendo à ternas mágoas que me ouvia,
Cuspiu três vezes na voraz fogueira.

Trémulas preces murmurou, e eu mudo;
Eis que as melenas, em sinal de espanto,
Eriça com semblante carrancudo.

«Meu rito é vão (me diz) e é vão teu pranto;
O poderoso Amor zomba de tudo,
Não vence encanto algum de Amor o encanto.»

Bocage
Documentário sobre a Árvore
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite feia;
Mugindo sobre as rochas, que salteia,
O mar, em crespos montes levantado;

Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta areia;
O pássaro noturno, que vozeia
No agoireiro cipreste além pousado,

Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato a olhos meus, grato à fereza
Do ciúme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza:
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.

Bocage
Nos campos o vilão sem sustos passa,
Inquieto na corte o nobre mora;
O que é ser infeliz aquele que ignora,
Este encontra nas pompas a desgraça.

Aquele canta e ri; não se embaraça
Com essas coisas vãs que o mundo adora;
Este (oh, cega ambição!) mil vezes chora,
Porque não acha bem que o satisfaça.

Aquele dorme em paz no chão deitado,
Este, no ebúrneo leito precioso,
Nutre, exaspera velador cuidado.

Triste! Sai do palácio majestoso:
Se hás de ser cortesão, mas desgraçado,
Antes ser camponês e venturoso!

Bocage
Os princípios morais por que governo
Meu dócil coração, meu livre estado,
Prendem-me a ti com vínculo sagrado
De amor que passa o grau do amor fraterno.

És doce, és puro, és generoso, és terno;
Brilhas, campeias de virtude ornado
Num mundo de paixões contaminado,
Tão mau, tão feio, que parece Inferno.

Bocage (excerto)
Quantas vezes, Amor, me tens ferido!
Quantas vezes, Razão, me tens curado!
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!

Tal que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do Fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido.

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da Existência à Morte!

Travam-se gosto e dor; sossego e lida...
É lei da Natureza, é lei da Sorte
Que seja o Mal e o Bem matiz da vida.

Bocage
Meu filho, não percas de vista a sensatez, conserva a reflexão: elas serão vida para ti e enfeite para o teu pescoço. Seguirás tranquilo o teu caminho, e os teus pés não tropeçarão. Descansarás sem medo; e quando te deitares, o teu sono será tranquilo. Não te assustarás com o terror imprevisto, nem com a desgraça que cai sobre os injustos.

Livro do Provérbios
A sabedoria do homem sagaz é discernir o seu próprio caminho.

Livro dos Provérbios