Cristina Silva
24-12-2012
Nos últimos cinco anos publicou cinco livros, o último
dos quais em 2012, O Rei do Monte Brasil, muito apreciado pela
crítica. Falamos de Cristina Silva, a quem temos o prazer de entrevistar.
Entre Mariana, Todas as Cartas, que é um
romance de memórias do marialvismo, editado em 2002, e O Rei do Monte Brasil,
onde explora a memória de Joaquim Mouzinho de Albuquerque e de Gungunhana,
editado em 2012, passaram dez anos e foram editados nove livros, quase todos do
género histórico. É a História que a arrasta para a ficção, Cristina Silva?
A História dá-me a intemporalidade dos
conflitos humanos. Vou buscar à História figuras ou acontecimentos que ilustram
a natureza humana, independentemente de um contexto histórico preciso. E acabo
a escrever sempre sobre os mesmos temas: a violência, o amor ou o poder, os
quais acabam por ser os grandes temas da literatura. A História dá-me o
pretexto mas acho que escrevo romances mais centrados sobre a dimensão
psicológica das vivências humanas do que sobre a ilustração de situações
históricas.
O que é que realmente a motivou a escrever O Rei do
Monte Brasil?
O poder e o confronto entre duas culturas.
Interessou-me o processo de decadência de duas personagens, de culturas diferentes
(europeia e portuguesa), que tinham em comum o facto de deterem o poder. E os
efeitos da perca do poder. Depois interessa-me sempre a dimensão psicológica de
personagens que tem um carácter mítico como é o caso destas duas personagens.
O Rei do Brasil é a história de duas
civilizações que se confrontam. Ao ler a obra, porém, damos conta de uma certa
intemporalidade. A essência e afirmação do poder são hoje muito diferentes do
que eram no século XIX? Podemos estabelecer paralelismos?
O poder, a luta pelo poder, a manutenção do poder são uma espécie de afrodisíaco, tanto hoje como no séc. XIX. Há certas pessoas cuja principal motivação é a possibilidade de dominarem outras, mesmo que envolvam essa motivação com um discurso de boas intenções.
A Cristina Silva é uma escritora bastante atenta aos
problemas sociais, de resto intervém com regularidade nas redes sociais. Será
que há ainda Mouzinhos de Albuquerque e Gungunhanas na sociedade atual? Como vê
a situação atual em Portugal?
A situação em Portugal é horrível. Do
ponto de vista ideológico, este governo é um expoente trágico da estupidez
neoliberal, venera os mercados, despreza o trabalho e as pessoas. Acho até que
as determinações da troika são usadas para cumprir o seu próprio programa
ideológico. Do ponto de vista da ação política levam a demagogia e a
manipulação dos argumentos a um nível nunca visto. Têm mergulhado enormes
faixas da população na miséria (é inadmissível que em Portugal do século XXI se
passe fome ou que a resposta para isso seja o assistencialismo) com uma
indiferença e arrogância absolutamente escandalosas. Hoje em dia o medo, a
falta de esperança é o sentimento dominante em Portugal.
No meio de tantas amolgadelas, como encara a
literatura nos tempos que correm? Alguma coisa a surpreendeu este ano?
Curiosamente, a literatura portuguesa está
bem e recomenda-se com imensos novos autores de qualidade. A literatura é por
excelência o espaço das histórias e da linguagem e essas duas dimensões definem
até certo ponto a natureza humana. Por isso, no meio de todas as crises, a
literatura irá sempre reescrever visões para cada um dos momentos históricos da
humanidade. Este ano surpreendeu-me a facilidade como os pressupostos de uma
sociedade podem ser tão facilmente destruídos em nome da ganância do
capitalismo financeiro.
A Cristina Silva deseja, muito provavelmente,
dedicar-se à escrita a tempo inteiro. Escreve por entretenimento, por vontade
de contribuir por boas causas, por ambas, ou por outro motivo qualquer?
Eu acho que um autor deve conseguir agitar
consciências. No entanto a principal motivação é a busca de um universo quase
onírico que é a história, o apelo das personagens, o facto de se construir um
edifício que faz sentido e que tem uma linguagem própria. As temáticas que me
surgem acabam por andar à volta da violência, do amor e do poder porque como
qualquer autor sofro daquela prepotência de quem gostaria de mudar o mundo.
Quem visita com regularidade o Portal da Literatura
não nos perdoaria se não lhe pedíssemos para nos falar sobre o seu próximo
livro: o décimo.
O meu próximo livro está pronto e em
princípio sai em Setembro. Chama-se A segunda morte de Ana Karenina porque procura
abordar todas as formas de adultério. O livro foca o horror das trincheiras na
primeira guerra mundial, a questão da homossexualidade, a relação entre o
teatro e vida e sobretudo é um ajuste de contas entre um homem e uma mulher.
Fonte: www.portaldaliteratura.com
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