Depois que Olímpico a despediu, já que ela não era
uma pessoa triste, procurou continuar como se nada tivesse perdido. (Ela não
sentia desespero, etc. etc.). Também que é que ela podia fazer? Pois ela era
crónica. E mesmo tristeza também era coisa de rico, era para quem podia, para
quem não tinha o que fazer. Tristeza era luxo.
Esqueci de dizer
que no dia seguinte ao que ele lhe dera o fora ela teve uma ideia. Já que
ninguém lhe dava festa, muito menos noivado, daria uma festa para si mesma. A festa
consistiu em comprar sem necessidade um batom novo, não cor-de-rosa como o que
usava, mas vermelho vivante. No banheiro da firma pintou a boca toda e até fora
dos contornos para que os seus lábios tivessem aquela coisa esquisita dos
lábios de Marylin Monroe. Depois de pintada ficou olhando no espelho a figura
que por sua vez a olhava espantada.
(…)
- Me desculpe perguntar: ser feia dói?
- Nunca pensei nisso, acho que dói um pouquinho.
Mas eu lhe pergunto se você que é feia sente dor.
- Eu não sou feia!!! – gritou Glória.
Depois tudo passou e Macabéa continuou a gostar de
não pensar em nada. Vazia, vazia. Como eu disse, ela não tinha anjo da guarda.
Mas se arranjava como podia. Quanto ao mais, ela era quase impessoal. Glória
perguntou-lhe:
- Por que é que você me pede tanta aspirina? Não
estou reclamando, embora isso custe dinheiro.
- É para eu não me doer.
- Como é que é? Hein? Você se dói?
- Eu me dôo o tempo todo.
- Aonde?
- Dentro, não sei explicar.
Aliás cada vez mais ela não se sabia explicar.
Transformara-se em simplicidade orgânica. E arrumara um jeito de achar nas
coisas simples e honestas a graça de um pecado. Gostava de sentir o tempo
passar. Embora não tivesse relógio, ou por isso mesmo, gozava o grande tempo.
Era supersónica de vida. Ninguém percebia que ela ultrapassava com a sua
existência a barreira do som. Para as pessoas outras ela não existia. A sua
única vantagem sobre os outros era saber engolir pílulas sem água, assim a
seco. Glória, que lhe dava aspirinas, admirava-a muito, o que dava a Macabéa um
banho de calor gostoso no coração.
Clarice Lispector. A hora da estrela
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