Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


25/07/2014


Henri Rousseau


 Nunca Alberto vira, no mundo já trilhado, maior fúria dos elementos. Sob a rajada, a selva cada vez arfava mais, rangia por toda a parte e dir-se-ia prestes a destruir-se no intenso clamor. Era fantástica e alucinante no seu sinistro ulular, a que só punha breve pausa o estampido do trovão, que abalava toda a terra. Depois, de algures, reboando com secura, chegava o alarido forte de grande tronco rasgado de alto a baixo pelo rio. Era um estralejar nervoso que aquietava em pânico todos quantos o ouviam. Os trovões sucediam-se e os relâmpagos entrelaçavam-se numa doida apoteose de mundo falido. E, de quando em quando, vinha de longe, surdamente, a nota grave de colosso que o vendaval tombava, na barulheira, na barulheira da selva endemoniada.
          Caíram, depois, uns pingos grossos e logo a bátega desabou. Firmino, olho à direita, olho à esquerda, descobriu, por fim, abrigo e foi encalhar a piroga entre dois velhos troncos. Lá estava, mais além, a sapopema entrevista.
- Depressa, seu Alberto, senão fica mesmo como um pinto!


Ferreira de Castro. A selva, Porto, Civilização, [1930], pp. 192 e 193


Descrição impressionante de uma tempestade na selva... Ferreira de Castro maneja os verbos e os adjetivos de forma expressiva e magistral.

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