Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


02/07/2014



Li finalmente Quem me dera ser onda, do escritor angolano  Manuel Rui, e descobri uma história divertida na qual tudo gira em torno de um elemento alegórico: um porco, ou melhor, um leitão, chamado, imagine-se, Carnaval da Vitória.
Mais estranho do que o seu nome é o facto de Carnaval da Vitória morar num apartamento de um sétimo andar. Enquanto o dono da casa pretendia engordá-lo para servir de refeição, a mulher e, sobretudo, os filhos tratavam-no com o desvelo de um membro da família. A chegada deste novo morador cria um ambiente subversivo e sugere um «mundo às avessas», modificando a maneira de viver dos que o rodeiam e dando origem a cenas engraçadas. As crianças escondem-no de um fiscal; levam-no para a escola e transformam-no no tema central das suas composições, pondo “uma escola inteira a dissertar sobre um porco”, em vez de exercitarem a criatividade escrevendo sobre temas populares e valores nacionais (p. 46); o porco é um ouvinte assíduo, embora forçado, de rádio, evitando-se, assim, que “fale”; graças a Carnaval da Vitória e a um bem pensado estratagema das crianças, a família passa a comer peixe e carne de porco… Símbolo da revolução social e da amizade entre crianças, é também através do animal que se critica um sistema educativo alienado e a hipocrisia humana. Tudo apimentado por um sentido de humor e uma fina ironia que perpassam, do princípio ao fim, este livro, justo vencedor do Prémio Nacional Agostinho Neto.


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