Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


17/01/2013


O renascer dos belos sentimentos
uma vez satisfeitas as necessidades básicas

«Para se exercerem as virtudes do espírito
é necessário um mínimo de conforto material.»
(Santo Agostinho)

     Esta pungente história se passou no meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abandonado e sem rumo, em qualquer lugar em que há dificuldade de alimentação e o homem começa a sentir o remorder do antropo ou qualquer outra fagia que lhe espicace o estômago.
     Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, etc.), seguido apenas de seu fiel cachorro. Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: «Pan, pan, pan, ó de casa!» Já batera antes, mas o homem fingia que não ouvia. Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilómetros. Matou-o, assou-o num fogo improvisado e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão!). Quando tinha acabado de comer todo o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. E foi então que olhou em torno e começou a chorar: «Ai, ai, ai, soluçou, - pobre do Luizinho! Como ele adoraria roer esses ossos!».
     Moral: Quando eu tiver uma casa bem confortável escreverei um Tratado de Sociologia.

Millôr Fernandes. “Fábulas Fabulosas”, in PIF-PAF

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