Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada com que se fazem os deuses e a poesia.

Vergílio Ferreira


28/06/2014

Poema do português errante

Por um caminho à noite caminhava
caminhava de noite sem sentido
pela própria cadência era levado
caminhava movido por um ritmo
a música interior que mais ninguém
ouvia. Caminhava de noite e não havia
sequer o rumo e o sentido. Nem
a rosa dos ventos e os pontos cardeais
nem Cruzeiro do Sul nem bússola nem estrela.
Caminhava por caminhar. Apenas
por um íntimo impulso um movimento
irreprimível do seu próprio pensamento.
Ou nem sequer. Talvez não fosse
senão a própria marcha. Um corpo
avante. Um corpo em seu mistério caminhante
não mais que um corpo em marcha no caminho
ninguém sabe ao certo se perdido.
E só se ouvia o som do seu arfar
e não havia aliás outro sentido
senão o de caminhar por caminhar.


Manuel Alegre. Livro do português errante

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